En esta sección se reproducen poemas en sus diferentes formatos y soportes. Se trata de un archivo de textos, voces, videos, performances.
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cuíer A.P. (ou "Oriki de Shiva")
▼ apocalipse cuíer ▼
versão de cuíer A.P. publicado no livro 07 notas sobre o apocalipse ou poemas para o fim do mundo:
cuíer A.P. (ou oriki de Shiva, v. 28 out. 2018):
nós vamos destruir tudo que você ama
e tudo que c chama “amor”
nós vamos destruir
porque c chama “amor à pátria”
o que é racismo
c chama “amor a deus”
o que é fundamentalismo
c chama “amor pela família”
o que é sexismo homofóbico y
c chama transfobia de “amor à natureza”
c chama de “amor pela segurança”
o que é militarismo
y o capitalismo
c chama de “amor pelo trabalho”
o que c chama de “amor à humanidade”
é especismo, y esse seu “amor pela Palavra”
na real é só um caso histórico de má-tradução – que
conveninente, chamar deus de “ele”, mas se
liga: nós somos seu apocalipse
cuíer. y o que c chama de
“amor pela liberdade”,
“pela justiça”, toda
essa sua ideia de “civilização” é
assassinato, é genocídio,
quer matar tudo
que ri, que goza, que dança,
quer matar a gente.
mas a gente vinga
que nem semente daninha:
a gente sobre
vive!
tá vendo? já começou!
sente a pulsação vibrando
o chão: é o beat do nosso coração!
porque a gente, que você amaldiçoa
em nome do seu amor doentio
normativo,
segregador,
a gente que é amante,
a gente é que vive y espalha
amor.
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tatiana nascimento em transmutá domina as consoantes, as vogais, os nomes (todos eles: dos alimentos, dos orixás, o próprio...): cria a partir das palavras antigas dispostas às poetas de agora. cria, na repetição dos fonemas e das constelações semânticas presentes no poema, o ânimo - a anima (profundamente macumbeira) - de seu trabalho.
O vídeo e o texto não são a mesma matéria, ainda que sejam irmãs. O vídeo que vemos é a “performance” (a atividade do corpo ao encontro do poema), as consoantes e vogais transmutadas em sons, em sopro, em dimensionalidade. A performance, afeita ao acaso e às circunstâncias, mesmo gravada em vídeo, precisa do recurso “agora” para efetivamente alcançar - conseguir - sua constante efêmera. O texto, poema estacionado no papel, é quieto como o arquivo guardado. Registro eleito da vez (pelo menos naquela edição), podemos nos confortar/confrontar na certeza do objeto-livro.
“transmutá”, presente no seu segundo livro de poesias, lundu (2016), nos parece ser uma boa porta de entrada para o livro e para a poética sonora de tatiana, torrente caudalosa - profícua - de sentido e de poderes. Poderes ancestrais, poderes poéticos, poderes esforçados.1
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transmutá – tatiana nascimento
projeto Mais Arte Sempre
“transmutá” (tatiana nascimento, lundu, padê coletivo editorial, 2018, 2ª ed.)
transmutá:
em nome do cais
do trilho
e do espírito banzo
ele me disse sim
disse sem senão
era a gira da vez
em nome do capataz
do grilho
e do espírito claustro
ele temeu que sim
ele disse: não!
palenque, QUILOMBO em vez
em nome do maíz
o milho
e seu espírito quântico
ele me disse "sim"
a flor da explosão
curando sua tez
em nome do saravá
do brio
e do espírito solto
ele me disse sim
c num ouviu não?
ele disse tao... nuvens…
em nome do ai
do íleo
e do espírito sângueo
em nome do hepático
do rínio
e do espírito pâncreas
ele me fez
renome Orí-zoma
bile tática
instinto drapetômano
ele me fez
o xamânico bicho
ancestral biônico
humano ilícito
ele me fez
tectônico rito
continente risco
diásporo onírico
ele tex
tura
de pele es
cura
quebranto
lura
acalanto
era tanto
de areia
de fundo
de mar
de low
cura
Ilê disse sim
(pro Axé)
Ikú não
pro amém
NÃO!
e Ele dissen-
tão vem
Tata
Atotô,
Baba.
o curandeiro palhico é o pai:
em seu canto,
Sapatá
dançarino varíoloco o filho:
em seu banho,
Odoyá,
doburu seu espírito-milho:
venta o manto
pipocá
com um sopro
de Oyá
para transmutá
para transmutá
para trans
mu
táta
tata
tá
táta
tata
tá
Playlist de vídeos com poemas de tatiana nascimento para o canal Mais Arte Sempre
Poesias - Tatiana Nascimento
Poemas:
Transmutá - lundu
Pa Ojare - lundu
Claquete – lundu
Insulina – mil994
Taipa – mil994
Diz/Faço qualquer trabalho, y (m)eu amor de volta todo dia – lundu
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meio beat meio banzo na TVE bahia
tatiana nascimento | meio beat meio banzo na TVE bahia
tatiana: “o beat é todo por conta do balbino, e o banzo tem a ver com a minha produção musical e poética. eu tenho falado um pouco sobre a diáspora e as formas de resistência ao racismo. isso tem muito a ver com não ter um lugar, com ser um arrastão, um povo todo arrastado de um lugar e largado no outro e como isso movimenta uma saudade ancestral que é a ideia do banzo. e aí o show é para misturar o meu trabalho de compositora e poeta que era mais orgânico, basicamente fazia voz e violão, com o timbre eletrônico e barulhinhos eletrônicos [do balbino].”
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Lençóis – Luedji Luna e tatiana nascimento
(composição: Luedji Luna e Cidinha da Silva
poema de tatiana nascimento)
Lençóis
me dá um pedaço do seu amor?, só um pedaço, mesmo. não te quero inteira não, nem te quero toda nem demais só aquele pedaço tosco lascado quebrado fodido moído caído no chão, joelho ralado, doído. o pior pedaço não, nem o mais desimportante (que isso ia ser te pedir o melhor do avesso, mas de melhor num quero nada até pq eu não tenho nada muito bom pra dar) então me dá (se quiser) um pedaço do seu coração um espaço, uma brecha uma fenda um vão um caco, um caco de alguma vez que ele foi quebrado mas que cê nem lembra mais direito como, quando, por quem, mesmo? é esse que eu quero dá pra mim esse caquinho essa lasca, essa ruína meio gasta – mas não velha demais que a gente possa dizer arqueologia, nem nova demais a ponto de não ser quinquilharia – esse caco que você jamais pensaria que alguém quereria pra uma coisa qualquer, ou que valesse um poema sequer, esse retalho eu quero. pra juntar com um qualquer retalho do meu coração remendado embaixo de um dia besta de sol, só colocar um do lado do outro assim, paradinho embaixo do sol do meio-dia, pra deixar inda mais banal o zênite da mediocridade cotidiana do sol no meio do céu embaixo do do dia, y depois sentar pra observar como tudo, tudo mesmo, qq coisa brilha sob o sol, até um caco tosco de vidro coronário meio arranhado (quinem a maioria das lascas meu coração) o dicionário vai chamar essa coisa pouca, boba, pequena, comum, banal simples tola de amor, os satélites, os drones a nasa lá do alto vão ver essa coisa brilhar, fragmentos do que a gente é buscando rejunte y até as retinas que olharem vão quase se manchar desse brilho fosco também mas de tão brilho que vai ser esse sol esses cacos esse encontro a calçada suja onde os cacos deita a plantinha nascendo o craquelado o concreto a rotina o gosto de sal do suor escorrendo pela testa, o dia vai quase deixar de ser igual por um instante, ou quase, y partilhar um segundo fundo assim é quase se dar inteira pra alguém hoje me dia do jeito que as coisas andam tão quebradas.
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tatiana nascimento nasceu em 1981, em Brasília (DF) - Brasil. Ela diz: “é palavreira: cantora, compositora, escritora, tradutora. publica livros artesanais de autoras negras y/ou LBTQIs pela padê editorial. aquariana, doutora em estudos da tradução pela UFSC. idealizou y ministra a formação ‘privilégio branco é racismo’. idealizadora y cofundadora do primeiro slam exclusivo para mulheres & lésbicas do brasil, o slam das minas de brasília/DF. idealizadora da semilla – feira de publicadoras. criadora do portal www.literatura.lgbt”
tatiana nascimento também é a curadora do conjunto de ensaios “Abebe – Caixa Pretas”, publicado pela n-1 edições, reunião de 9 textos escritos por autoras LBTs negras/racializadas, entre elas a própria nascimento, cidinha da silva, linn da quebrada, anne quiangala, pedra homem, bibi abigail campos leal, yuderkys espinosa, jaqueline gomes de jesus: https://www.n-1edicoes.org/caixa-pandemia-pretas
Veja, também, a contribuição da poeta para o projeto Sonidos de la Pandemia aqui: https://cajaderesonancia.com/index.php?mod=sonidos-pandemia&view=detalle&id=640
livros de poesia publicados:
*esboço; padê, 2016.
*lundu; padê, 2016.
*mil994; padê, 2018.
*07 notas sobre o apocalipse, ou, poemas para o fim do mundo; Garupa e Kza1 edições, 2019.
*Oriki de amor selvagem - todos os poemas de amor preto (ou quase) (padê, 2020).
ensaios publicados:
*cuírlombismo literário: poesia negra lgbtqi desorbitando o paradigma da dor (n-1, 2019);
*leve sua culpa branca pra terapia (padê, 2019; n-1, 2020);
*um sopro de vida no meio da morte (macondo, 2019);
*racismo visual/sadismo racial: quando (?) nossas mortes importam? (n-1, 2020).
traduções publicadas:
*entre nós mesmas, poemas de audre lorde (bazar do tempo, 2020);
*calamidades, ensaios de renee gladman (a bolha editorial, 2021).
Entrada feita por Rayi Kena1
(www.rayikena.wordpress.com)
Criação: jan-out de 2021.