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Nuno Júdice nació en Mexilhoeira Grande, Algarve, Portugal en 1949. Es crítico literario y profesor de literatura comparada en la Universidad de Lisboa. Dirige la Casa de Poesía Fernando Pessoa. Tiene varios libros de poesía publicados entre ellos Obra Poética 1972-1985 (1991) además de libros de ficción y de crítica. Se pueden leer más de sus poemas en Diario de Poesía (Nro. 23 Invierno 93) traducidos por Jorge Fondebrider.

8 poemas


ENCANTAMENTO


Vi as mulheres azuis do equinócio
voarem como pássaros cegos; e os seus corpos
sem asas afogarem-se, devagar, nos lagos
vulcânicos. Os seus lábios vomitavam o fogo
que traziam de uma infância de magma
calcinado. A água ficava negra, à sua volta;
e os ramos das plantas submersas pelas chuvas
primaveris abraçavam-nas, puxando-as num
estertor de imagens. Tapei-as com o cobertor
do verso; estendi-as na areia grossa
da margem, vendo as cobras de água fugirem
por entre os canaviais. Espreitei-lhes
o sexo por onde escorria o líquido branco
de um início. Pude dizer-lhes que as amava,
abraçando-as, como se estivessem vivas; e
ouvi um restolhar de crianças por entre
os arbustos, repetindo-me as frases com uma
entoação de riso. Onde estão essas mulheres?
Em que leito de rio dormem os seus corpos,
que os meus dedos procuram num gesto
vago de inquietação? Navego contra a corrente;
procuro a fonte, o silêncio frio de uma génese.


CREPUSCULAR


A incerteza cai com a tarde
no limite da praia. Um pássaro
apanhou-a, como se fosse
um peixe, e sobrevoa as dunas
levando-a no bico. O
seu desenho é nítido, sem
as sombras da dúvida ou
as manchas indecisas da
angústia. Termina com a
interrogação, os traços do fim,
o recorte branco de ondas
na maré baixa. Subo a estrofe
até apanhar esse pássaro:
com o verso, prendo-o à frase,
para que as suas asas deixem
de bater e o bico se abra. Então,
a incerteza cai-me na página, e
arrasta-se pelo poema, até
me escorrer pelos dedos para
dentro da própria alma.


ARTE POÉTICA COM CITAÇÃO DE HOLDERLIN


O poema lírico nasceu de uma roseira. Não
digo que fosse a rosa de cima, aquela que todos
olham, primeiro que tudo, pensando
em cortá-la para a levarem consigo. É
a rosa nem branca nem vermelha, a rosa pálida,
vestida com a substância da terra:
a que toma a cor dos olhos de quem a fixa, por
acaso, e ela agarra, como se tivesse
mãos abstractas por dentro das suas folhas.

Colhi esse poema. Meti-o dentro de água,
como a rosa, para que flutuasse ao longo de um rio
de versos. O seu corpo, nu como o dessa mulher
que amei num sonho obscuro, bebeu a seiva
dos lagos, os veios subterrâneos das humidades 
ancestrais, e abriu-se como o ventre da 
própria flor. Levou atrás de si os meus olhos,
num  barco tão fundo como a sua própria 
morte.

Abracei esse poema. Estendi-o na areia
das margens, tapando a sua nudez com os ramos
de arbustos fluviais. Arranquei os botões
que nasciam dos seus seios, bebendo a sua cor
verde como os charcos coalhados do outono. Pedi-lhe
que me falasse, como se ele só ainda soubesse
as últimas palavras do amor.

(Metáfora contínua de um único sentimento).


QUASE UMA NATUREZA MORTA


Um braço de rio que se solta da margem: os ramos
prolongam, na água, a nostalgia de terra. A pureza
da luz não atravessa a superfície para se perder
num fundo que não se adivinha (ali, onde a corrente
faz saltar as espumas do centro, ninguém se aventura
- mesmo que as pedras separem o curso branco
das águas). «Que é isto?», perguntas. A parábola
capital: a tua vida cortada ao meio, como se não
houvesse uma direcção única a prosseguir até ao
fim. «Nem no amor?» Porém, a tarde traz consigo
o frio, a visão transparente dos montes, e até 
o canto dos pássaros parece mais nítido, como se
nenhuma outra vibração o contaminasse. Respiro
contigo o conhecimento da realidade: mesmo que ele
passe pela descoberta de outra vida, pelo contacto
entre duas solidões, ou apenas por uma breve
hesitação antes que os lábios se toquem, levando
um e outro a saltar a outra margem - a mais abstracta
a que apenas separa um corpo de outro corpo e,
por cima disso, define os limites da razão e do sentimento.



NA SALA

Ouvia-se o barulho do mar à noite.
Talvez não estivesse ninguém na praia (que
poderia alguém estar a fazer, numa praia,
                                à noite?) - mas
era como se o barulho do mar tivesse, por trás,
as vozes de alguém que contasse uma história
de viagens e de ventos.

Onde se estava bem, no entanto, 
era dentro de casa, onde o barulho do mar
parecia trazer as conversas de alguém,
na praia, com o vento. É verdade
que a janela estava aberta: e, por trás
do muro de pedra e das árvores,
a luz de um candeeiro chegava até à praia
onde não devia estar ninguém, nessa noite
de ondas e de vento.

Podia ser o tempo das férias: com efeito,
era o tempo em que se tinha férias
sem se saber bem qual a distinção entre o tempo de férias
e o outro tempo. O que se sabia, por outro lado, era
se estava alguém na praia ou não: e, de noite,
ninguém devia estar na praia, embora o vento trouxesse
um ruído de conversas que se confundia com o barulho
do vento.





UM ROSTO


Apenas uma coisa inteiramente transparente:
o céu, e por baixo dele a linha obscura do horizonte
nos teus olhos, que pude ver ainda
através de pálpebras semicerradas, pestanas húmidas
da geada matinal, uma névoa de palavras murmuradas 
num silêncio de hesitações. Há quanto tempo,
tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo
se enche de bolor e fungos; limpo os papéis,
cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, foto-
grafias cuja cor desaparece, substituindo os corpos
por manchas vagas como aparições; e sinto, eu 
próprio, que uma parte da minha vida se apaga
com esses restos. 



AS AVES

Afluem às margens, jogam
como se a água lhes pertencesse,
pousam no meio dos arbustos
como se tivessem todo o tempo! No

entanto, sabem que as nuvens
vão encher o céu; e que o norte
irá enviar o vento frio que as
há-de arrastar para sul, deixando
atrás de si o silêncio
nos campos. Mas pouco lhes importa
isso, quando se juntam, e
cantam a efemeridade do
instante.


SONETO

Lábios que encontram outros lábios
num meio de caminho, como peregrinos
interrompendo a devoção, nem pobres
nem sábios numa embriaguez sem vinho:

que silêncio os entontece quando
de súbito se tocam e, cegos ainda,
procuram a saída que o olhar esquece
num murmúrio de vagos segredos?

É de tarde, na melancolia turva
dos poentes, ouvindo um tocar de sinos
escorrer sob o azul dos céus quentes,

que essa imagem desce de agosto, ou
setembro, e se enrola sem desgosto
no chão obscuro desse amor que lembro.


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